No atual cenário de crise no setor energético, uma alternativa até agora pouco explorada por consumidores de energia elétrica e agentes do setor elétrico, e que se encontra regulamentada e plenamente viabilizada no ordenamento jurídico brasileiro, é a denominada geração distribuída (GD). Este artigo tem como objetivo explicar, em linhas gerais, esta alternativa.
A crise energética
Como amplamente noticiado na imprensa brasileira e até internacional, o Brasil vem enfrentando significativa e inequívoca crise em seu setor energético nos últimos anos.
Provas da existência de tal crise não são poucas, podendo-se destacar os frequentes aumentos das tarifas de energia, os desligamentos em determinadas regiões do País, o preço da energia no mercado livre cada vez mais elevado, dentre outros.
Tal crise pode ser explicada de dois pontos de vista diferentes: o do Governo, que culpa as intempéries naturais, e o dos agentes do setor, que creditam a crise às dificuldades existentes na regulamentação, no planejamento e na atuação equivocada do poder público em diversas de suas políticas energéticas.
Além dos fatores já mencionados acima, destacamos ainda as dificuldades de obtenção do licenciamento ambiental e de contratação de mão de obra especializada no setor, assim como as grandes distâncias de transmissão de energia das unidades geradoras para os principais centros urbanos e industriais, o que representa maiores custos e dificuldades sistêmicas que vêm de fato dificultando o desenvolvimento do setor elétrico no País.
A forma organizacional adotada pelo modelo elétrico brasileiro consiste em grandes centrais geradoras centralizadas, com uma extensa malha de linhas de transmissão e distribuição. Trata-se, portanto, de um modelo de geração centralizada. E, por assim ser, quando se tem um aumento de demanda com necessidade de investimento em novas geradoras, tem-se obrigatoriamente que se investir também em novas linhas de transmissão e distribuição, o que aumenta demais o investimento e o tempo de entrega daquela energia ao mercado.
Geração distribuída
A história nos mostra que, em tempos de crise, a criatividade e o empreendedorismo de determinados agentes podem converter-se em meio válido e extremamente eficiente na busca de soluções e, de alguma forma, transformar a crise em novos frutos e oportunidades mediante a adoção de práticas que inovam e transformam o mercado.
A GD se encontra regulamentada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel - por meio da resolução normativa nº 484/2012 e, como definição geral, pode ser entendida como a geração de energia elétrica, por consumidores de energia, a partir de fontes renováveis.
Esta energia gerada pelos consumidores será utilizada em uso próprio e, caso a energia gerada supere a utilizada, esta pode ser “emprestada” às distribuidoras de energia elétrica, por meio do uso do sistema de distribuição, devendo-se, para tanto, proceder compensações, nos moldes previstos na resolução mencionada acima.
Tecnicamente, a RN nº 482/2012 supracitada define duas formas de execução de geração distribuída: (i) a microgeração distribuída e (ii) a minigeração distribuída.
Conforme definido pela norma citada, a microgeração é conceituada como a geração de energia elétrica por consumidores, em suas unidades consumidoras, com potência instalada menor ou igual a 100 kW. Já a minigeração é a geração de energia elétrica por consumidores, com potência instalada superior a 100kW, e menor ou igual a 1MW.
Em ambos os casos, a energia gerada deverá ser oriunda de fontes renováveis, com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada, de forma inclusive a fomentar a adoção de tais soluções ambientalmente mais adequadas para as hipóteses de geração distribuída.
Desta maneira, o consumidor, utilizando-se de eventual potencial de geração de energia em sua unidade consumidora, poderá, empreender e tornar-se um consumidor-produtor, mediante autorização específica por parte da ANEEL, utilizando-se de sua própria energia gerada, e “emprestando” ao sistema de distribuição a energia excedente que, futuramente, serão devidamente compensados pela concessionária distribuidora local.
Trata-se assim, nestes casos, de consumidores que tornam-se produtores de energia elétrica de pequeno porte, funcionando como autoprodutores, porém com a possibilidade de compensar excessos produzidos despejando-os no sistema de distribuição, por meio do Sistema de Compensação de Energia Elétrica.
A implementação da geração distribuída oferece inúmeras vantagens ao setor, dentre as quais destacamos:
• Diminuição das perdas associadas à transmissão e distribuição de energia;
• Maior diversificação da matriz energética renovável;
• Minimização dos impactos e custos socioambientais;
• Menores custos dos projetos;
• Maior segurança contra as intempéries e problemas na distribuição e transmissão de energia;
• Atendimento mais rápido a demanda existente e à reprimida.
• Distribuição de renda;
É sabido que a energia é um dos principais insumos de diversos segmentos da nossa indústria e comércio. Sendo que seu alto custo é repassado diretamente aos preços dos produtos. Diante deste cenário, a geração distribuída é também uma solução rápida e confiável para determinados ramos do comércio e da indústria.
A adoção da GD por um grupo de varejo, por exemplo, impactará diretamente no preço final dos seus produtos, haja vista que seus custos passarão a ser menores e com isso esse grupo ganhará ainda mais competitividade no mercado.
É fato que o custo de implementação pelo consumidor ainda é um pouco alto, mas com o ganho de escala, atrelado a incentivos dados por meio de politicas públicas federais e estaduais, esse custo tende a diminuir e muito, tornando a GD uma alternativa atrativa e viável a qualquer consumidor.
Neste sentido, a adoção por consumidores da geração distribuída se mostra alternativa economicamente viável, delineada e autorizada pela regulamentação específica, que pode ser utilizada por agentes do setor para atenuar os efeitos da crise.
Assim sendo, não restam dúvidas que a geração distribuída é uma excelente alternativa à demanda por geração e deve ser encarada como uma das soluções para a crise do setor energético brasileiro.
Autor: Tiago Lobão Cosenza, sócio da área de Infraestrutura e Energia do Leite, Tosto e Barros Advogados.
Fonte: Da redação (Justiça em Foco), 16/07/2015.